25.3.14

uma questão de respeito

Não sou pessoa de grandes lamentos. Mas isso não me impede de ter os meus momentos em que acho que isto ou aquilo está mal e que certas coisas deviam estar mais do que resolvidas. Nesses momentos, e quem me conhece, sabe do que falo, lamento-me. Retiro-me do mundo em que vivo e só interessa o meu umbigo. Nesses instantes, o mundo só eu e só existem os meus problemas para resolver. Felizmente, tenho a lucidez necessária para, em pouco tempo, regressar à realidade e tentar ver as coisas com outra perspectiva.

Num passado recente vivi dois momentos que me impedem de exagerar. Quando fui ver o espectáculo do Luís Franco Bastos diverti-me imenso. Eu, a minha mulher e as outras 798 pessoas que lotaram a sala. Quando saí do São Jorge, virei à esquerda para ir para o carro e dez passos depois deparo-me com dois homens que dormiam na rua. Qualquer um deles com idade para ser meu pai. Não interessa o motivo pelo qual ali foram parar. Mas ali estavam, enquanto dezenas de pessoas passavam por ali ainda a rir do que tinham ouvido nos últimos minutos. Ontem, tive um trabalho à noite. Quando saí do mesmo, passei no Saldanha e vi um grupo de voluntários a alimentar cerca de duas dezenas de pessoas que aguardavam ansiosas pela chegada da carrinha. Estes momentos impedem-me de perder a lucidez.

Não vivo com dificuldades. Nunca vivi, felizmente. Mas também não vivo rodeado de luxos. Vivo com o que tenho. Com o que a família me dá e com aquilo que o meu trabalho me permite ter. Para algumas pessoas pode aparentar ser muita coisa. Para mim, não é. Mas, momentos como os que referi fazem com que me dê por agradecido sempre que coloco a chave na porta e entro em casa. Existem problemas, não o nego. Alguns de complicada resolução. Mas assim que entro em casa, agradeço o que tenho e tento ignorar aquilo que está por resolver. Não se resolve hoje, resolve-se amanhã. Mas, agora vou aproveitar o que tenho. É assim que sou.

Além disso, situações como as que vi, fazem com que respeite muito quem tem menos do que eu. Tenho um grande respeito por todas as pessoas que têm uma vida mais complicada do que a minha. Sei que pode soar a discurso de candidata a miss mundo que diz ter pena dos pobrezinhos para ficar bem na fotografia. E não me importa que pensem isso. Porque é mesmo respeito que sinto.

14 comentários:

  1. Adorei este teu texto. Fiz voluntariado há alguns anos, à noite, a dar uma sopa a quem não tinha mais… E digo-te, é uma experiência avassaladora.
    Beijinho

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  2. Sinto-me assim também... :(
    E de há algum tempo a esta parte tenho aprendido a dizer: "sou grata e agradecida por ter casa, sou grata e agradecida por ter comer na mesa, sou grata e agradecida por ter o sol que me alegra etc etc etc."

    Às vezes quando me deparo com situações como essas que descreveste sinto-me envergonhada por não ajudar mais... E isso ainda é um sentimento que tenho que resolver comigo mesma... Não posso salvar o mundo inteiro, 'né?

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    1. Sempre que entro em casa agradeço tudo aquilo que tenho.

      Eu ajudo o que posso. Se fosse ajudar todas as pessoas que quero, precisava eu de ajuda e isso faz com que tenha um certo egoísmo que me equilibra.

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  3. :-) e ainda bem que há pessoas que pensam assim, e que há pessoas solidárias, e voluntários. Eu ajudo bastante. Mas acho sempre que não chega. E por isso admiro muito as pessoas que se dedicam a estas causas.

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    1. Eu admiro muito essas pessoas e respeito quem tem menos. Tenho muito respeito.

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  4. Parabéns.
    És sincero e respeitas quem vive em situações precárias.
    Bj

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    1. Tenho muito respeito e nos dias que correm, ninguém está livre de viver uma situação complicada.

      beijos

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  5. Concordo plenamente.
    Ainda no outro dia conga de um jantar em que sai satisfeita, não cabia mais nada, mas ao ir para o carro deu-me um ataque de gula e apetecia-me pipocas. No entanto, mesmo ao chegar ao carro estava uma dessas carrinhas de distribuição de comida e familias, jovens e mendigos a espera. Passou-me logo a gula e ate tive vergonha ...

    Ana Lima

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    1. São socos no estômago que nos dão uma perspectiva diferente da vida.

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  6. Passei por eles ontem ao final da noite no mesmo local; ia de carro, a sair das aulas, olhei e vi os voluntários com coletes refletores em dois veículos.
    Demorei o meu olhar um pouco mais, pela satisfação com que aquelas pessoas, estavam ali a distribuir as refeições.
    E também me passou imediatamente pela cabeça o quão abençoada sou...

    xitracinhocoração

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    1. Eu passei lá antes do trabalho e vi as pessoas mas não liguei. Quando saí vi a carrinha e essas pessoas de que falas. E percebi porque estavam ali há tanto tempo.

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  7. Um em cada 10 portugueses já não tem dinheiro para por nem carne, nem peixe na mesa, era a notícia ontem, mas como são dados de 2012 os senhores do governo acham que estamos hoje em 2014 muito melhor. Coloquei esta questão hoje às minhas miúdas hoje de manhã e a resposta não se fez esperar "É evidente que estamos muito pior, mummy!"...Elas sabem, nós sabemos...quem vive na rua sabe...sim Bruninho, respeito, muito respeito.

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    1. E se for apenas um em cada dez já não é mau. É uma realidade. Uma triste realidade, apesar de muitas pessoas continuarem a fingir que somos muito ricos.

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