8.1.15

je suis charlie

Os terríveis acontecimentos de ontem deixaram-me a pensar em momentos do passado. Recordei a história do dia em que foi disparado um tiro contra o edifício onde trabalho, ainda antes de lá trabalhar. Recordei também o momento em que uma pessoa ameaçou invadir o local onde trabalho com uma metralhadora. Relembrei detalhadamente o dia, melhor os dias porque foram vários, em que vi a minha integridade física em risco. Pensei também nos colegas e amigos que já foram agredidos e naqueles que viram o seu material de trabalho destruído. E nos que foram ameaçados por terceiros que agem segundo ordens de pessoas que não têm coragem de resolver os assuntos por si mesmas.

Até ontem, quase todos estes momentos serviam apenas para contar histórias a amigos. No momento da ameaça da metralhadora ri-me por considerar surreal. Minutos depois de ter sido ameaçado fisicamente já tinha esquecido o que tinha acontecido. O tom era mais sério apenas nas ameaças a colegas que não temem por si mas temem pelos seus. E nos casos em que a violência atingiu uma gravidade sem sentido. Mas, mesmo estes momentos conseguem ser recordados com alguma boa-disposição por quem os viveu. Até porque nunca conseguiram calar ninguém.

Ontem, estas memórias mudaram por completo. Porque a política do medo atingiu um nível que nunca deveria ser atingido quando três homens invadiram a redacção do semanário Charlie Hebdo matando dez jornalistas e ainda mais dois polícias. “Matámos o Charlie Hebdo”, gritaram antes de fugir. Minutos depois, nas redes sociais, um dos porta-vozes do Estado Islâmico falava em justiça. Não deixa de ser curioso que a primeira vítima do atendado tenha sido um árabe que implorou pela vida. Como disse Miguel Esteves Cardoso, e muito bem, é impossível matar Charlie Hebdo que, e isto merece ser salientado, goza com tudo e com todos. Sem excepção. Aquilo que se consegue matar é a liberdade de expressão.

Não se mata ninguém com canetas. Não se mata ninguém com textos. Não se mata ninguém com palavras nem desenhos. Tal como não se mata ninguém com piadas. Isto é triste. E muito assustador. Esta política do medo trava a evolução do mundo e provoca o caos. Agora, vamos começar a matar todos aqueles que são diferentes de nós e que não acreditam no mesmo. Se não és da minha religião e se fazes piadas sobre ela, mato-te. Se não és do meu partido e se ainda falas mal dele, mato-te. Se não és do meu clube e se gracejas perante os seus insucessos, mato-te. Se essa diferença é publicada num jornal, mato-te. O jornalismo mundial está de luto. O Homem livre está de luto. Resta apelar à coragem e não deixar que o medo vença.

#jesuischarlie  

19 comentários:

  1. Estou a ficar seriamente preocupada com esta politica de "Medo", primeiro os Coreanos que "proíbem" a estreia dum filme, sob ameaças de morte, agora, o Charlie Hebdo, onde os seus assassinos reivindicam "fazerem justiça", por causa de humor com palavras e desenhos.

    As palavras não chegam para poder demonstrar a revolta que sinto, por perceber, que a LIBERDADE, um bem tão precioso, que nos foi dado, onde tantos morreram conquistando-a, para hoje a podermos ter, seja agora, reposta em causa. :(
    A Religião, qualquer uma que seja, não é isto..., isto é uma Barbaridade, um Massacre, um Atentado à todos nós!

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    1. Isso dos filmes já é mais do que habitual. E não é preciso ir tão longe com exemplos. Neste caso, agrada-me que o jornal esteja nas bancas na próxima quarta-feira. É a melhor resposta que poderia ser dada.

      Isto é um atentado à liberdade de todos.

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    2. É uma bofetada de luvinha branca !! E isso tb me agrada e muito

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  2. Pipocante Irrelevante Delirante8 de janeiro de 2015 às 12:32

    Não se mata ninguém com canetas. Não se mata ninguém com textos. Não se mata ninguém com palavras nem desenhos. Tal como não se mata ninguém com piadas.

    Não é bem assim. Em especial quando se entra na esfera pessoal.

    Só uma nota, que em nada anula o conteúdo do resto do texto.

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    1. Não vejo o jornalismo como um ataque pessoal. Por isso não aplico a tua opinião ao jornalismo. Apenas e só pela forma como encaro a profissão que escolhi. O teu ponto de vista dava para uma grande conversa.

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    2. Pipocante Irrelevante Delirante8 de janeiro de 2015 às 19:33

      Ja tivemos um personagem que se queixou de tentativa de assassinato por meio audiovisual

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    3. Neste caso e reforço que o semanário "goza" com todas as pessoas, nunca houve nenhum problema deste género. O atentado passado e este ataque têm sempre a mesma base.

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  3. É importante referir que não foram representantes de uma religião que cometeram esta atrocidade. Foram três malucos extremista que levam a religião ao máximo. O ISIS e os extremistas são uma coisa, praticantes do islamismo são outra. É importante que pessoas que nada têm a ver com este acto (e até o repudiam) não sejam vítimas da resposta (assustadora) da extrema-direita europeia.

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    1. Não os vejo como três malucos isolados. O planeamento, o aparente treino militar e as armas que têm não são de três malucos que decidem fazer as coisas sozinhos. Pelo que ouvi ontem, trata-se de algo premeditado e em conjunto. Mas isto não tira razão ao que dizes. Porque não representam toda a gente.

      Segundo li, existem vários locais de culto em França que já foram vandalizados. E acredito que isto é também um objectivo deles (atacantes). Porque vai dar "força" para uma revolta ainda maior.

      Mas a vingança não é resposta. Pelo menos para mim.

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  4. Não há palavras para o que aconteceu, só de pensar, tira-me o sono. Como é que é possível existirem pessoas tão más e sem qualquer respeito pelos outros.

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  5. Já escrevi tudo o que acho no meu blog. Mas retenho as últimas palavras que escreveste: não deixar que o medo vença. Nenhuma liberdade deve ser vencida pelo medo. Não tenho medo. Não devemos ter medo. É só isso que tento pensar, acreditar e defender. E não esquecer o dia de ontem nem de hoje, porque nunca o poderei fazer. E fazer com que esse esquecimento tenha valor.
    Um abraço e obrigada pelo relato e partilha que fizeste da tua experiência.

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    1. O medo nunca poderá vencer. E aqui não está a vencer. Nem irá vencer.

      Abraço.

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  6. Há muita coisa de errado neste post. Mas bem. Essencialmente, tem que ver com a política de medo. Acha que os estados ocidentais não cultivam uma política de medo? Um homicídio planeadíssimo contra uma instituição muito específica é razão para recomendar que uma cidade inteira fique em estado de sítio? A mim parece-me que não.

    As canetas não matam, mas minutos depois do atentado, já todos os jornalistas diziam "presumido ataque de radicais islâmicos", quando apenas mais tarde começaram a surgir os relatos a dar conta que os perpetradores estariam a falar árabe durante o crime e que gritaram Alá é grande. Mas não esperemos por factos, especulemos antes acusando sumariamente uma facção.

    As canetas impõem este estado de medo. Os ataques vêm aí. O Estado Islâmico fez isto e a Al-Qaeda fez aquilo. Tenham medo e apoiem os vossos estados nesta guerra contra o fanatismo, porque senão estão todos mortos. Isto é a política do medo.

    A política oposta seria chamar a atenção para notícias mais interessantes e que aconteceram. Uma tribo no Iémen atacada pelos EUA. 45 mortos, dos quais 14 mulheres e 21 crianças (Massacre de al-Majalah). Na sequência deste ataque um jornalista Iemenita escreveu largamente sobre o assunto. Abdulelah Haider Shaye, mais tarde foi espancado e preso, porque a opinião não era de interesse americano. Tanto não era que quando o Iémen tentou amnistiar o jornalista o próprio presidente Obama ligou a expressar a sua preocupação quanto a essa atitude, basicamente, obrigado o Iémen a manter esta pessoa presa.

    Se calhar se a imprensa não fosse dominada por interesses, talvez soubéssemos todos destes factos (e de muitos mais, atenção) e talvez não nos expuséssemos tanto a estes fanáticos. Talvez pudéssemos todos manifestar-nos contra as graves infracções dos direitos humanos que nós sancionamos inconscientemente.

    Convém nunca esquecer que os ataques são simbólicos. Apesar de o ataque ter sido focado no jornal isso não quer dizer que, politicamente falando, se restrinja ao jornal, mas sim a toda uma atitude imperialista.

    Lamento muito as mortes das pessoas e espero que a justiça funcione correctamente.

    O que eu gostaria é que fôssemos avaliar as causas profundas destes problemas e que fossem corrigidos. Porque apesar da barbaridade, há razões por detrás dos mesmos

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    1. Se leste o texto com atenção percebes que não especifiquei a política de medo. Aliás, comecei o texto com exemplos que vivi e que conheço e que tivera lugar em Portugal. Ou seja, falo na política do medo em geral. Quer seja aqui, em França, na China ou noutro local qualquer. A política do medo é errada. E o medo nunca poderá vencer. Essa é a mensagem do texto.

      É óbvio que esta política de medo acontece em diversas ocasiões e em diversos locais mas este caso, pelos contornos que tem, é muito mais mediático. Tal como foi o 11 de Setembro. Existem muitos outros, menores, que não acabam por ser tão falados.

      Convém salientar que isto não é uma questão de religião. Trata-se de fanatismo e extremismo. Convém também salientar que o semanário brinca com todas as religiões, com personalidades e políticos franceses mas apenas têm problemas em situações destas.

      Não encontro razões para um ataque destes, algo que dás a entender.

      Respeito a tua opinião mas não concordo com o que dizes. E reforço apenas que falei sempre da política do medo na generalidade.

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    2. Caro homem, em parte alguma defendo o ataque. Contudo, não podemos negar que as coisas acontecem sempre por alguma razão (exceptuando casos psicóticos e patológicos, claro). E quem paga são sempre os inocentes. Sejam eles no 11 de Setembro, no 11 de Março, ou no Charlie.
      Eu não conheço o semanário, nem me interessa conhecer, neste caso, porque não é uma questão de conteúdo. É uma questão de escrever o que o semanário bem entender.

      O que eu quero reforçar, é que o terror está mais perto de outros do que de nós. Nós, ocidentais, ficamos sempre horrorizados quando isto acontece a nós, mas olhamos para o lado quando os nossos governos apoiam acções (explicita ou implicitamente) que causam consequências iguais.

      Por não ser uma questão daquilo que o semanário escreveu é que não podemos dizer que não podemos olhar para os outros que não são falados como menores. São todos iguais. São todos homens, mulheres e crianças inocentes. E nós estamos a errar severamente neste ponto e estamos a ser uma sociedade hipócrita. Apesar da história europeia de atrocidades cometidas em prol do bem europeu, sem olhar aos danos provocados noutras civilizações, nós continuamos a olhar o mundo com superioridade. Principalmente na questão de África e no Médio Oriente/Ásia Menor. E é isto que eu acho de errado.

      Nós não entendemos que com certas acções estamos a provocar o extremismo. Nos anos 60 e 70 era possível viajar de Portugal até à Índia de carro atravessando Irão, Iraque, Afeganistão, etc, sem qualquer problema. Isso mostra-nos como esses lugares e as pessoas que lá vivem não são tão diferentes de nós. Agora, cinquenta anos depois e após infindáveis intervenções estrangeiras lá, isso é possível? E porque é que isso mudou? E porque é que o ocidente não é visto com bons olhos pelo mundo islâmico?
      As razões para a impopularidade do ocidente têm a ver com as inúmeras ingerências cometidas, que vão desde manipulação de governos e venda de armas a guerras infundadas com muitos crimes contra os direitos humanos e de guerra cometidos pelo meio. Nós europeus estamos do lado dos perpetradores dos ataques. Podíamos antes estar do lado daqueles que defende os direitos humanos. Mas não, estamos do lado do poder porque é a jogada segura. E só quando o povo se aperceber disso e exigir uma mudança é que as coisas irão mudar. Até lá, quantos mais Charlies? Aqui e no lado de lá.

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    3. Como disse, percebo o teu ponto de vista. Só não entendi quando disseste que muita coisa estava errada no texto porque defendo que todas as políticas de medo são más. Neste momento a grande questão é perceber se os casos de França (que nada têm a ver com religião) vão motivar outros grupos, seja onde for, a fazer o mesmo.

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