21.5.15

(des)encontros (capítulo dez)


Tudo corria bem até ao momento em que João se aproximou da fila 23 do avião que o iria levar até Dublin. A única coisa que não queria, apenas naquele momento pois era algo com que até costumava brincar em outras viagens, era a companhia de uma mulher bonita e sensual no lugar ao seu lado. Mas, contrariamente ao desejado, lá estava ela, uma morena bastante bonita. A beleza era tal que nem o seu mau momento tinha poder suficiente para que não a visse.

Aproximou-se da fila, na esperança de que a mulher se desviasse para que pudesse passar para o seu lugar. Mas ela não se mexia. “Peço desculpa”, disse. E ela continuava a não se mexer. “Peço desculpa”, voltou a dizer com um tom de voz mais elevado. E nada. A morena permanecia imóvel. Para não lhe tocar no ombro optou por passar com a mão direita em frente aos seus olhos. Foi então que a mulher desviou os cabelos das orelhas e retirou os auscultadores com que ouvia música.

“Sim”, disse ela. “Peço desculpa mas a música estava um pouco alta e quando estou com música nos ouvidos parece que desligo do mundo e não reparo em nada. Mesmo nos homens que estão ao meu lado”, brincou num tom de voz do seu agrado mas que desejava detestar com todas as suas forças. “Eu também sou assim”, respondeu revelando um tom de voz um pouco ríspido. “Queria passar para o meu lugar se fosse possível”, acrescentou. “Claro que sim. Peço desculpa”, disse, levantando-se de seguida.

João ficou ainda mais perto da mulher que tinha tudo para lhe agradar mas que preferia tentar ignorar. Foi então que sentiu o aroma do perfume DKNY, um dos que mais gosta nas mulheres. Mas conseguiu manter o ar de homem que despreza mulheres, algo que não passou despercebido à morena. João instalou-se no seu lugar e foi a sua vez de se entregar à música, entregando-se aos melhores temas dos Foo Fighters com um volume que permitia que a mulher percebesse a letra na perfeição. Colocou o cinto, encostou a cabeça e fechou os olhos na esperança de só os voltar a abrir no destino

Até que sentiu um ligeiro toque no ombro. Abriu os olhos. Era a morena que pretendia falar consigo. Agora era a sua vez de retirar os auscultadores. “Foo Fighters! Só podes ser boa pessoa”, disse. “Ok. Era só isso?”, reagiu João. “Acho que começámos mal pois parecias chateado por não te ter ligado nenhuma quando querias passar mas sou eu que sou despistada. Sou a Inês e peço-te desculpa”, referiu. “Não é isso. Não tens de pedir desculpa nenhuma e que todos os meus problemas fossem esperar que reparasses que pretendia passar”, explicou. “Mas pelo menos podes dizer-me o teu nome”, prosseguiu Inês. “Claro. Sou o João”, respondeu.

“Já deves ter reparado que além de despistada falo pelos cotovelos. Por isso esta é a parte em que invado a tua privacidade e te pergunto o que vais fazer a Dublin”, gracejou. “Vou atrás de uma pessoa”, disse. “Quer dizer, vou à procura de uma pessoa”, corrigiu. “Homem misterioso e de poucas palavras. Além disso vais atrás, quer dizer, à procura de alguém. Esta é a parte da conversa em que me dizes que se me contares algo mais terás de me matar ou que trabalhas para o Governo a quem resolves os problemas chatos”, brincou, fazendo com que João deixasse cair o escudo e ficasse cada vez mais indefeso perante a simpatia de uma mulher que tinha acabado de conhecer. “Sim, tens razão. É a parte da conversa em que te posso dizer que faço cobranças difíceis e nada mais do que isto para não te arranjar problemas”, referiu com a voz colocada e com o seu ar mais sério. Inês, que era o espelho da alegria petrificou perante tal resposta. “Estou a brincar contigo”, disse João soltando uma gargalhada sonora. Inês sorriu. "Pelo menos deu para te ver os dentes e para perceber que tens humo", referiu.

“Agora a sério. Esta é a parte da conversa em que te digo que me despedi e que decidi ir a Dublin à procura de uma pessoa que vi apenas uma vez e de quem pouco sei”, explicou. “Isso é que é amor”, disse Inês. “Ou então apenas parvoíce”, acrescentou João. “Acabei de te conhecer mas quem faz isso por uma pessoa que mal conhece não pode ser palerma. Longe disso”, argumentou. “Obrigado. E qual o motivo da tua viagem?”, perguntou para mudar de assunto. “É uma viagem de trabalho. Vou ter algumas reuniões mas que não implicam ir atrás de alguém ou fazer o trabalho sujo do Governo”, gracejou, motivando novo sorriso a João.

“Afinal estava a ser parvo. Ainda bem que me calhou esta companhia”, pensou João enquanto sorria para Inês. Até que um homem se aproximou de ambos. “Peço desculpa menina mas está no meu lugar”, disse, mostrando o bilhete respectivo ao lugar B da fila 23. Inês confirmou os dados no seu bilhete. “Tem razão. Peço desculpa. O meu lugar é o B mas da fila 13. Mudo já”, respondeu numa altura em que João esperava que o homem dissesse que ficava com o lugar na fila 13. Algo que não aconteceu.

Inês levantou-se. Retirou a sua mala do compartimento da bagagem e começou a andar para o seu lugar. Até que se virou para trás. “Boa sorte João. Espero que a viagem corra bem”, disse. João agradeceu com um acenar de mão e um sorriso não sendo capaz de tirar os olhos de Inês enquanto esta se afastava de si. O homem sentou-se. “Esta gente. Nem olham para os bilhetes. Parvos”, disse, sem que João lhe ligasse nenhuma. Mas se não ligou às palavras foi incapaz de não ficar incomodado pelo cheiro. O aroma do perfume DKNY de Inês deu lugar a um cheiro resultante do consumo excessivo de tabaco misturado com a transpiração que parece acumular-se no corpo e na roupa. “Só tens o que desejaste”, pensou João.

8 comentários:

  1. Tenho pena do João... tantas mulheres que se cruzam no seu caminho, mais ou menos interessantes, mais ou menos bonitas e ele só quer uma... Será que vai encontrá-la? Será que vai valer a pena ou será uma viagem em vão??? Será que já tens o final planeado, ou escreves ao sabor do vento e deixas que as ideias fluam e surjam no momento em que te sentas ao computador? Seja qual for o final, sejam quais forem as cenas dos próximos epsódios... eu estarei aqui como espectadora fiel e ansiosa...
    Obrigada Bruno!
    Beijinhos

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    1. O início estava pensado. Existe uma luz sobre o final. O caminho é encontrado quando começo a escrever. O desenrolar do capítulo é algo do momento. Obrigado pelo teu apoio e simpáticas palavras.

      Beijos

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  2. Este foi o capítulo que mais tive prazer em ler..muito bom, mesmo...e o melhor a morena não é a Sophia...coisas da vida!....muito bom! (Des) encontros, mesmo.

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    1. Confesso que foi dos que me deu mais gozo escrever. Nunca esteve pensado ser a Sophia. A questão é decidir se a Inês se fica por aqui ou se terá impacto na história.

      Obrigado pelas palavras.

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    2. Competição, sempre aclara as coisas!....ou não!

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