30.7.15

(des)encontros (capítulo doze)


João abandonou o aeroporto perante o olhar triste e desiludido de Inês. Apesar de não ter grandes planos esperava outra reacção da parte de João. "O desprezo com que tratou o cartão", pensou Inês. "A culpa é tua. Ainda acreditas nas pessoas", era o que dizia a si mesma. "Mas a verdade é que ele te disse qual o objectivo da sua viagem", prosseguiu. "Azar o dele. E o meu. Pois o rapaz até era engraçado e ao que parece vai ficar preso numa história de amor muito esquisita. Sortuda da rapariga que pode dizer que um rapaz fez uma viagem à sua procura sem saber no que vai dar a viagem", foi o último pensamento de Inês em relação a João.

Enquanto Inês deambulava de pensamento em pensamento, João entrou no primeiro táxi que viu. "É para o Maldron Hotel, na Cardiff Lane", disse ao taxista num inglês perfeito. O que levou a que o taxista metesse conversa consigo como se fosse de lá. "Sou português. Estou de férias", esclareceu. "A forma como fala parecia ser de cá. Pelo menos temos as dificuldades económicas a unirem-nos", referiu o taxista, naquilo que foi uma tentativa de fazer uma piada. Minutos depois João chegava ao hotel.

Despachou o check in e instalou-se no quarto. Desde criança que tinha a mania de se atirar para cima das camas sempre que chegava a um quarto de hotel. "Passou no teste", disse, depois de alguns saltos ao estilo da criança mais traquina que possa existir. Descalçou os ténis, colocou uma almofada por cima da outra e instalou-se para ver televisão. De comando na mão deu início ao zapping. "O que estás a fazer?", disse, como se estivesse mais alguém no quarto mas falando para si. "Estás noutro país e estás na cama a ver televisão. Sai e vai passear", respondeu a si mesmo naquilo que poderia ser visto como um auto raspanete. Segundos depois estava calçado e de saída do hotel.

Saiu do hotel, voltou à esquerda e percorreu a rua até ao rio Liffey. Enquanto admirava o edifício moderno situado na outra margem reparou num grupo de pessoas à porta de um edifício de fachada vermelha. Apenas o andar de baixo. A tarde já estava perto do final e era comum que os irlandeses se juntassem em bares para um copo e dois dedos de conversa antes de rumar a casa. "Cerveja e um bar com a cor mais bonita do mundo. Estou conquistado", disse, antes de entrar no bar. Até chegar ao balcão cumprimentou todas as pessoas por quem passou. Já no balcão acalmou a sede com uma Guiness. Minutos depois estava de saída.

Em vez de voltar para o hotel preferiu passar para a outra margem do rio e foi entrando nos bares que captavam a sua atenção. Quer fosse pelo ambiente à porta dos mesmos, pela decoração ou por outro motivo qualquer. Até porque para João todos os motivos são bons para beber mais uma cerveja. Porque João não se limitava a entrar nos bares. Naqueles em que entrava tinha de beber pelo menos uma cerveja. O pouco tempo quem estava sentado fazia com que o efeito das mesmas não fosse tão sentido.

Além dos bares entrou ainda num ou noutra loja onde em que os ténis se destacavam nas montras. Não tivesse acabado de chegar e já tinha comprado alguns pares para levar para casa. Mas preferiu deixar essas compras para outro momento da viagem. Neste momento estava mais preocupado com a sua missão de exploração dos bares irlandeses. Até ao momento estava rendido aqueles onde se cruzava com homens mais velhos com quem trocava um ou dois dedos de conversa sobre tudo e mais alguma coisa. Nada melhor do que uma boa conversa para acompanhar uma cerveja gelada.

De bar em bar e de cerveja em cerveja João já nem se recordava do motivo da sua viagem. Pareciam apenas mais uma férias, ainda que sozinho. E tudo corria bem. Até que à porta de um dos bares recebeu um flyer onde se destacava um pequeno concerto concerto dos The Sript, que estavam de regresso a casa para uma actuação na Guiness Storehouse. Que era já na noite seguinte. "Onde posso comprar bilhetes para este concerto?", perguntou ao rapaz que lhe tinha entregue o folheto.

"Já está esgotado. O local não é muito grande e eles decidiram apresentar o álbum mais recente em Dublin. Sendo de cá, isto esgotou logo. Estamos a entregar os flyers porque têm mais espectáculos", explicou-lhe. João transformou-se no desalento em pessoa. "Foda-se! Que merda. Tenho a certeza de que a Sophia vai lá estar. Tenho de arranjar maneira de entrar aqui", disse em voz alta mas em português, o que deixou o rapaz a perguntar o que estava a dizer. "Problems mate. Just problems", respondeu.

"Pensa! Pensa! Pensa!", insistia, já com desespero, na esperança de encontrar uma solução à força. "Já sei!", exclamou, fazendo com que as pessoas ao redor olhassem para si como quem olha para um louco que sorri sozinho no meio da rua. João pegou no telemóvel e fez uma chamada. "Estou Zé Manel, tudo bem? Como estás?", perguntou. "Tudo bem e contigo?", respondeu o amigo. "Está tudo porreiro mas preciso de um gigantesco favor teu. Mas primeiro tenho de te fazer duas perguntas", disse. "Chuta", respondeu o amigo. "Ainda trabalhas na Sony Music Portugal?, perguntou. "Sim", respondeu. "E os The Scritp ainda são vossos?", perguntou. "São, porquê?", devolveu o amigo. "Estou em Dublin e sei que amanhã há um concerto deles na Guiness Storehouse. Os bilhetes estão esgotados e preciso de lá entrar. Vais ter de me safar", explicou João.

Manuel começou a rir-se. "Nem te vou perguntar o motivo desse desejo", disse. "Sabes que por ti só não faço o que não consigo. O tempo não é muito mas deixa ver o que consigo fazer. Hoje já não te devo ligar mas amanhã telefono, ok? Até lá bebe uma cerveja por mim", disse. "Se me meteres lá dentro acabo com toda a cerveja da fábrica", respondeu João. "Obrigado puto. Aquele abraço", disse antes de desligar. "Tenho de conseguir entrar. Tenho a certeza de que ela vai lá estar. Tenho a certeza", foi apenas aquilo em que conseguiu pensar enquanto regressava ao hotel sem reparar em mais nenhum bar.

9 comentários:

  1. Devorei avidamente mais este episódio... Eu também tenho a certeza que a Sophia vai lá estar ;)
    Obrigada!

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  2. Esta tua história está a ficar realmente interessante :)

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  3. Uauuu...que empolgante este final de capítulo :)

    Fico ansiosa à espera dos próximos capitulos ;)

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  4. Só um pequeno à parte...o sotaque irlandês é muito diferente do britânico e não é ensinado em Portugal. Acho um pouco à toa o enfiar à martelada o inglês perfeito e fazer o leitor crer que é fácil passar-se por irlandês falando inglês fluente (sem falar no sotaque - numa boa escola aprende-se o sotaque da BBC - received pronunciation e numa escola normal ou ensino obrigatório nem se insiste muito no sotaque ou entoação). Isto torna a historia muito pouco credível (isto dito por alguém que fala com conhecimento de causa).

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  5. Só um pequeno à parte...o sotaque irlandês é muito diferente do britânico e não é ensinado em Portugal. Acho um pouco à toa o enfiar à martelada o inglês perfeito e fazer o leitor crer que é fácil passar-se por irlandês falando inglês fluente (sem falar no sotaque - numa boa escola aprende-se o sotaque da BBC - received pronunciation e numa escola normal ou ensino obrigatório nem se insiste muito no sotaque ou entoação). Isto torna a historia muito pouco credível (isto dito por alguém que fala com conhecimento de causa).

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    1. Obrigado pelo reparo.

      Mas em nenhuma parte do texto é abordada a formação do personagem principal. Ninguém sabe se estudou em Portugal ou fora de Portugal.

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